sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Açores com futuro: Produzir Local, Consumir Local


Os Açores, dada a sua situação geográfica, são uma região de uma beleza e harmonia singulares, mas essa mesma situação geográfica confere grande vulnerabilidade, nomeadamente à cada vez maior inconstância climática.

As tomadas de decisão e opções de desenvolvimento da região não podem ser desligadas desta realidade. Ora, o Governo Regional dos Açores aprovou recentemente o Programa Regional para as Alterações Climáticas, pelo Decreto Legislativo Regional 30/2019/A de 28 novembro, no entanto, parece mais tratar-se apenas de um documento a cumprir calendário e desfasado da prática no terreno, seja governamental, seja autárquica.

Por exemplo, a construção de uma ciclovia no município de Lagoa junto à linha da costa. Se esta seria aparentemente uma ideia em consonância com a necessária mitigação das alterações climáticas, entra em direto confronto com qualquer programa de adaptação, já que a linha da costa será a mais vulnerável à subida no nível médio das águas do mar, para além da destruição das estruturas lávicas, de interesse geológico, que já ocorreram e continuam, para implantação da estrutura.

Outra decisão contraditória é o projeto de construção de uma central de incineração de resíduos sólidos urbanos em São Miguel, promovido pela Associação de Municípios. Sem dúvida que a gestão de resíduos sólidos é uma das questões mais complexas numa região insular, mas incinerar não pode fazer parte da solução. Esta é uma questão já largamente debatida, dados os seus impactes negativos no ambiente e saúde pública, e, no entanto, continuam a dar espaço aos promotores/vendedores destas soluções.

Qualquer estratégia de gestão de resíduos, nomeadamente urbanos e equiparados, começa pela redução, pela reutilização dos materiais e, posteriormente, encaminhamento para reciclagem. Nunca por uma solução de fim de linha como a incineração. Uma solução que, além de corromper qualquer política estratégica de redução e reciclagem de resíduos, transforma os diferentes resíduos numa massa gasosa incontrolável de dióxido de carbono, dioxinas, metais pesados e furanos libertados para a atmosfera e que irão contribuir não só para o aumento do carbono na atmosfera, como das substâncias bioacumulativos com potenciais cancerígenos.

Neste momento, os Açores já têm, erradamente, mas têm, uma central de incineração, na ilha da Terceira. Uma infraestrutura que, para além de estar a laborar muito abaixo da sua capacidade por falta de resíduos (menos de 50% do projetado), está a introduzir na linha resíduos recuperados do aterro para viabilizar e rentabilizar o projeto.

O Governo Regional dos Açores não pode descartar-se das suas responsabilidades na gestão dos resíduos, relegando-a para a esfera autárquica, sob pena de soluções avulsas comprometerem o futuro da região, como se está a verificar.

Há que inverter a “ditadura dos mercados” que continua a injectar no nosso dia-a-dia produtos descartáveis, os intermináveis plásticos e utensílios com elevada obsolescência. Produtos que, numa região insular como os Açores, têm um efeito deveras mais preocupante.

Por essa razão, deve haver uma política mais agressiva que limite a entrada de embalagens supérfluas de plástico, ou não biodegradáveis, nos Açores. Deve ser estabelecida uma estratégia para proibir a utilização de loiças descartáveis, nomeadamente de plástico, assim como os sacos de plástico, pesados ou leves, nomeadamente em grande eventos culturais, como os festivais. A recuperação de materiais para reciclagem deve ter um circuito otimizado e dar especialmente ênfase à valorização orgânica de resíduos, cuja experiência no Nordeste com a central de vermicompostagem pode ser inspiradora. Estas práticas reduzirão substancialmente a quantidade de resíduos finais que não justificam de todo mais uma incineradora.

O projeto de incineradora para a ilha de São Miguel já vai na sua terceira versão, depois do último concurso ter sido anulado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada. Cada vez mais este projeto faz menos sentido, pelo que se justifica o seu abandono e enveredar por uma verdadeira abordagem integrada nos resíduos.


Uma região bastante vulnerável às alterações climáticas, cujos fenómenos extremos, cada vez mais frequentes e de maior intensidade, se vão fazendo sentir com consequências devastadoras, necessita que as decisões tomadas não hipotequem o seu futuro.

O que aconteceu em outubro passado no porto comercial das Lajes das Flores, totalmente destruído pela tempestade Lorenzo, deve ajudar-nos a ponderar mais ainda as opções de desenvolvimento.

Reduzir a entrada de materiais passíveis de produzir resíduos desnecessários, aumentar a autossuficiência de cada ilha em produtos de primeira necessidade, nomeadamente na alimentação e na energia primária.

Dar corpo a um lema bem ecologista: “Produzir Local, Consumir Local”.


Victor Cavaco
Dirigente Nacional do PEV
Folha Verde nº 107.
http://www.osverdes.pt/media/folha_verde/FV-107.pdf




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