O governo regional e a Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM) estão firmemente decididos, contra ventos e marés, a construir uma grande incineradora para queimar o lixo produzido pelos municípios desta ilha. Uma incineradora que, num momento de gravíssima crise das contas públicas, vai custar mais de 80 milhões de euros ao erário público – uma autêntica pechincha!
A razão que a AMISM dá para justificar este gasto exorbitante é que os aterros sanitários onde actualmente está a ser depositado o lixo estão quase cheios e é preciso encontrar uma solução alternativa para eles. Mas evidentemente a queima de lixo não é a única opção possível para reduzir o volume dos resíduos depositados no aterro. Há vários outros exemplos e soluções, entre os quais vale a pena falar aqui de dois bem próximos.
1) O primeiro exemplo é o dado pela “Unidade de Tratamento de Resíduos Urbanos” do concelho do Nordeste, único município da ilha de São Miguel que não forma parte da AMISM.
Nesta unidade, o lixo é primeiramente tratado para extrair, de forma manual, parte dos materiais recicláveis que contem (aqueles que não foram devidamente colocados nos ecopontos), conseguindo reduzir até 15% do volume total do lixo. Depois, e após um processo de higienização, é separada também grande parte da matéria orgânica existente no lixo. Esta matéria orgânica é então tratada mediante um processo de vermicompostagem (degradação pela acção de minhocas), resultando deste processo um adubo ou “húmus” que pode ser aproveitado na jardinagem e na agricultura.
Assim, esta unidade consegue reciclar até 70% do lixo indiferenciado que chega ao centro. Só uma terceira parte desse lixo, a parte restante, vai parar ao aterro, que desta forma consegue durar três vezes mais tempo.
2) O segundo exemplo é o dado pela “Unidade de Tratamento Mecânico e Biológico de Resíduos Urbanos” do concelho de Avis, em Portalegre. Este exemplo foi o recomendado pela Quercus como melhor solução para o tratamento dos resíduos da ilha de São Miguel.
Nesta unidade também são separados do lixo, de forma mecânica, os materiais recicláveis, que representam 15% do volume total. E também é separada a matéria orgânica, que depois é utilizada em diferentes processos para produzir composto para a agricultura e biogás mediante um processo de digestão anaeróbia.
Assim, a unidade consegue reciclar 52% do lixo indiferenciado. Do restante, grande parte poderá ser ainda utilizado como combustível (o denominado “combustível derivado de resíduos”). Só a décima parte restante vai necessariamente para o aterro, que desta forma poderá durar dez vezes mais tempo.
Podemos agora perguntar-nos o que faz actualmente a AMISM com o lixo indiferenciado que recolhe. E a resposta é muito simples: envia todo esse lixo para o aterro, sem procurar soluções para reduzir o seu volume. E, claro, o aterro fica rapidamente cheio. Não há portanto uma boa gestão dos resíduos nem uma verdadeira preocupação com os valores ambientais.
No entanto, a AMISM encontrou agora a forma perfeita de disfarçar a sua incompetência: vai queimar todo esse lixo, ignorando mais uma vez a presença nele de materiais recicláveis e orgânicos que poderiam e deveriam ser reutilizados. E também encontrou a desculpa perfeita para justificar a sua opção: a produção de energia mediante a queima do lixo.
Mas, é claro, a AMISM esquece dizer que no processo da incineração é produzida toda uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos (dioxinas e furanos) que são lançados, pelo menos em parte (por pequena que prometam que esta seja), para o ar. E também esquece dizer que as cinzas resultantes da incineração, também extremamente perigosas e poluentes, precisam ser encaminhadas depois para um aterro especial, muito mais caro.
Também esquece dizer a AMISM que uma terceira parte do que vai ser queimado na incineradora não é lixo, senão biomassa florestal e fuelóleo, pois como é evidente o lixo indiferenciado não arde bem e precisa de muito combustível para ser queimado. E também esquece dizer que a energia obtida mediante a combustão do lixo é muito menor (de três a cinco vezes menor) do que aquela energia que seria obtida mediante o correcto aproveitamento dos materiais recicláveis que contem o lixo.
Também esquece dizer a AMISM que o volume de lixo reciclável recolhido (nos ecopontos ou porta a porta) tem vindo a aumentar e o volume de lixo indiferenciado a diminuir (o que vem ao encontro das metas europeias). E se houvesse também recolha por separado da matéria orgânica, como acontece em muitas cidades europeias, o volume do lixo indiferenciado diminuiria drasticamente.
Mas infelizmente o interesse actual do governo e da AMISM não é fazer coisas racionais ou ambientalmente correctas. A sua vontade é simplesmente privatizar toda a gestão dos resíduos da região, favorecendo os interesses privados. E tudo isto leva a que agora seja construída, com dinheiros públicos, uma caríssima, ineficiente, perigosa e obsoleta incineradora.