Quando já toda a gente pensava que introduzir espécies exóticas era proibido, quando já toda a gente estava convencida de que a introdução duma espécie exótica no meio natural era um crime ambiental punido por lei, cá vem agora o Governo Regional dos Açores introduzir uma nova espécie exótica nas ilhas açorianas.
Neste caso a espécie que vai ser introduzida (e parece que não é a primeira vez) é um ave, a perdiz-cinzenta (Perdix perdix), uma espécie de perdiz que é típica das zonas montanhosas da Europa e Ásia central.
A desculpa dada pelo governo para a introdução desta espécie exótica (Resolução do Conselho do Governo nº 122/2011) é que tem de promover-se a “diversidade e valorização dos recursos cinegéticos”. Assim, parece que para o governo muito mais importante que conservar a biodiversidade açoriana parece ser conservar, ou mesmo aumentar, a “diversidade” da caça.
Mas neste caso o governo não vai limitar-se a permitir a introdução desta espécie, da qual considera haver mesmo uma “necessidade”, em duas zonas da ilha de São Miguel.
Na realidade, vai fazer muito mais do que isso. É o governo que vai criar indivíduos da espécie em cativeiro. É o governo que os vai introduzir depois no meio natural. É o governo que vai criar para esta espécie duas reservas integrais de caça. É o governo que vai vigiar atentamente estas duas reservas para impedir que nelas exista actividade cinegética… E é o governo, finalmente, que vai oferecer estes animais, sempre de graça, a uma elite de caçadores que acha que uma viagem até uma zona de caça no continente é algo demasiado incomodativo e dispendioso.
Quando existem tantos esforços para impedir a introdução de espécies exóticas na nossa região, eis aqui que o governo vai introduzir uma espécie exótica no meio natural e vai fazer tudo o possível, utilizando os sempre inesgotáveis fundos públicos, para que ela se reproduza.
Surpreendente.
2 comentários:
PARTE I:
Sou caçador dos e nos Açores. Mais do que caçar, gosto da natureza. Aliás, gosto de caçar principalmente pela relação íntima com a natureza que esta actividade permite.
Nos Açores, a diversidade cinegética é bastante limitada, e nós caçadores açoreanos, cada vez mais, deparamo-nos com maiores limitações ao exercício da caça a cada ano. Aumentaram as exigências para detenção de documentação como a Licença de Uso e Porte de Arma. Subiu o custo do seguro. Subiu o custo das licenças de caça. Reduziu-se o número de cães. Reduziu-se o número de peças a abater por caçador. Reduziram-se as horas diárias permitidas. Reduziu-se para metade o número de dias permitidos para caça com arma de fogo. E para o ano, quais serão as novas reservas a acumular?
Estas exigências, só me levam a crer que o Governo Regional está empenhado em liquidar a actividade da caça. Ou então, o secretário regional que tutela esta actividade não percebe nada de caça, e anda a fazer medidas desmedidas, porque não faz políticas de proximidade que vão de acordo com as expectativas dos caçadores… e não só.
Com tantas limitações e estrangulamentos, seria de esperar que eu ficasse contente pelo facto do G. R. diversificar a oferta cinegética. O que não é o caso. Não só falo a título pessoal, como na realidade sou o exemplo típico da maioria absoluta dos caçadores açoreanos, ou seja, principalmente caçamos ao coelho. Raramente ou nunca aos pombos, e as restantes espécies não têm expressão.
Admiro-me muito com esta iniciativa do G. R. e desconfio de tal bondade. Ora, se por um lado a caça ao coelho, (que é maioritária e quase única disponível e preferível) anda sendo cada vez mais atrofiada, porque é que o G. R. anda tão empenhado em implantar a perdiz, que não vai de acordo com a preferências dos caçadores locais. Já há algum tempo ouvi falar na expressão "criar reservas". Cá para mim isto cheira-me a pólvora… o Governo regional está empenhado em liquidar o regozijo popular e apostado em criar um produto turístico para vender a quem gostar e puder pagar. Ou seja, o G. R. anda a tornar a caça uma actividade para elites endinheiradas.
PARTE II (Cont.):
A cada ano que se passa, tenho ouvido muito algum queixume de caçadores que se vão tresmalhando da caça:"Isto já sai caro!" ou "Já não vou mais lá!"
Nesta fase, a pergunta que deixo é:
— Qual a política que o G. R. tem para o futuro da caça nos Açores!?
Espero uma resposta oficial a esta questão.
O desenvolvimento da agricultura e a alteração de culturas produzidas vieram afectar em muito a população da codorniz. Enquanto que antigamente se caçavam às dezenas num só dia, agora resumem-se a uma dúzia de peças numa temporada.
A codorniz era uma ave com grande tradição de caça nos Açores, mas devido à monocultura (erva para o gado) perdeu-se. É insuportável manter e sustentar um ou dois perdigueiros para se fazer 12 horas de caça num ano.
O sistema intensivo de pastagem deixou de proporcionar e garantir condições para garantir números aceitáveis e prosperidade à codorniz, no entanto esta necessita de muito menos exigências do que a perdiz.
— Neste contexto, como é que uma população de perdiz poderá prosperar?
Os terrenos dos Açores reduzem-se essencialmente a pastagem, matas de criptomérias e floresta endémica, nos quais não há qualquer tipo de gramíneas que garanta a subsistência da perdiz. Aliás, toda a zona onde poderá encontrar alimento, são pastagens ou terrenos de cultivo que não garantem as necessidades de protecção e de reprodução. Não esquecendo que, normalmente, a erva das pastagens é ceifada e armazenada para alimento do gado antes das sementes amadurecerem. Além disso há também a humidade das ilhas.
Ainda assim, mesmo que se continue na insistência em introduzir a perdiz acredito que não terá sucesso. Os relatos de exemplares largados criados em cativeiro, vistos por caçadores eram demasiado magros e vulneráveis para abate.
Assim, acuso severamente a introdução da perdiz como sendo uma acção irresponsável, ingénua, esbanjadora, e anti-ambiental por parte do Governo Regional, que tem na natureza o seu principal postal turístico.
Nós caçadores precisamos realmente é de uma resposta eficaz que venha combater a caça furtiva (nocturna) e ilegal e o comércio dessas peças abatidas em restaurantes.
Quanto às espécies cinegéticas, a necessidade real dos caçadores açoreanos prende-se com uma melhor gestão das espécies existentes e não com a introdução de novas espécies de interesse menor.
Atentamente
S. B. J.
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