sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Era uma vez... um Orçamento de Estado

Intervenção de encerramento do Deputado José Luís Ferreira.

Assembleia da República, 3 de Novembro de 2010.



Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,

Chegados ao fim da discussão na generalidade do Orçamento de Estado para 2011, é altura para dizer: era uma vez…

Era uma vez um Orçamento que, tal como a pescada, antes de o ser, já o era. Pouco importava o seu conteúdo, as suas propostas, as suas medidas, o que interessava era que passasse. Pouco importava se era bom ou se era mau para os portugueses, o que era preciso era garantir a sua aprovação.

E perante esta imperativa premissa, soou o alarme e o mundo mobilizou-se. O Presidente da República chama os Partidos a Belém. Os banqueiros apressam-se e reúnem com quem não aceita, ou melhor, com quem não aceitava, mais aumentos de impostos. Os grandes patrões manifestam inquietação, estão preocupados. O Orçamento, que cedo chegou às Redacções da Imprensa, tardou a chegar à Assembleia da República. Houve, de facto, tempo para umas pizzas.

E quando chegou, tarde, ocorreu o grande choque tecnológico. Afinal a Pen não trazia o Orçamento todo. Parte do essencial, não veio. O Relatório, não foi entregue.

O Sr. Ministro das Finanças, adia a sua comunicação para o outro dia e depois para mais tarde. Mas à quarta foi de vez.

Entretanto decorriam negociações, entre aqueles que não aceitavam mais aumentos de impostos e aqueles que, num dia se demitiam se o orçamento não fosse aprovado, e no outro, nunca viravam a cara à luta. Arrufos e zangas. Ruptura nas negociações. O Presidente da República convoca de emergência o Conselho de Estado. Comentadores e analistas discutem e escrevem detalhadamente os prós e prós da aprovação. Nas televisões, a todo o instante passa o aviso: “Ultima hora”, há orçamento. “Ultima hora”, Orçamento em risco.

Retoma das conversas. Reuniões, dentro e fora da Assembleia. Mas entre telefonemas e recados mais ou menos indirectos, surgiu o acordo. E para que ninguém pudesse escapar às responsabilidades, até o momento ficou registado no telemóvel. Com hora e tudo.

Lá estavam todos. Os “pobres e mal agradecidos” e aqueles que “não dão a terceira oportunidade”, os mesmo que não aceitavam aumento de impostos. Ao fundo, com esforço ainda se podiam presumir os mercados financeiros. De fora do retrato ficaram os Portugueses e os problemas do País.

Mas o mundo respira, finalmente, de alívio. E os mercados financeiros acalmam. É de facto uma história com todos os ingredientes, e sobretudo com artistas de primeira. Mas uma história, às vezes a lembrar uma obra do Kafka, outras a lembrar a guerra do Raul Solnado. Tanto esforço, tanto empenho, tanto enredo, apenas e tão só, para não aborrecer os mercados financeiros.

E no meio desta azáfama, é caso para perguntar: onde ficam os portugueses no meio disto tudo? As pessoas e as famílias não fazem parte dessa história? Não interessam? Não contam para nada? Pelos vistos não. Definitivamente o Bloco Central deixou de se preocupar com as pessoas. Agora só os mercados financeiros interessam, e interessa sobretudo que não se aborreçam. E claro, eles só acalmam se lhes fizerem as vontades.

È exactamente isso o que PS e PSD se preparam para fazer. Fazer a vontade aos únicos que continuam a ganhar com esta crise, que eles próprios criaram e pela qual são os grandes responsáveis.

Este Orçamento é assim, antes de mais, um reflexo, um indício, da supremacia do poder económico sobre o poder político. Mas um reflexo a que não são alheias as politica que os Governos têm vindo a praticar. Pelo contrário, de certa forma, puseram-se a jeito. E são exactamente essas políticas que é necessário mudar, porque de nada adianta procurar resolver os problemas com a mesma receita que levou à situação que vivemos.

Este é o Orçamento que esquece os Portugueses e que só tem a preocupação dos mercados, que ignora completamente as pessoas e os problemas do País. Que não vem dar resposta, ao mais grave problema com que hoje nos confrontamos: o desemprego. Que corta a eito nas despesas sociais, sobretudo na Educação e na Saúde. Que vem impor novos e pesados sacrifícios à generalidade dos Portugueses. Que representa a maior carga fiscal de que há memória. Que impõe penosos cortes nos salários dos funcionários públicos mais mal pagos da Europa. Que limita cada vez mais as pessoas do acesso aos apoios sociais. Um Orçamento que congela todas as pensões, mesmo as pensões sociais. Que não procura combater de forma eficaz a fuga e a evasão fiscal. Que deixa andar os paraísos fiscais. Que se basta com a parca tributação efectiva do sector financeiro e dos seus muitos milhões de lucros, ao mesmo tempo que permite o alastrar dos níveis de pobreza e a persistência de um dos maiores níveis de desigualdade social e de distribuição de riqueza da União Europeia. Um Orçamento que a Associação Nacional de Municípios considera desastroso para o poder local e que poderá colocar em causa a prestação de muitos serviços públicos. Que transforma o ambiente, passando de parente pobre a um vizinho distante.

Que remete centenas de quilómetros de ferrovia convencional, para o mais completo abandono. E que ao nível da Agricultura, inscreve verbas claramente insuficientes para recuperar o atraso do PRODER, correndo-se o risco, insólito, de ter de se devolver verbas a Bruxelas.

“Os Verdes” consideram que estamos diante de um Orçamento que vem impor novos e pesados sacrifícios à generalidade das famílias Portuguesas, com especial incidência, nas pessoas com rendimentos mais baixos.

E o pior, é que apesar da imposição destes sacrifícios, este Orçamento não vem dar resposta aos graves problemas do País e dos Portugueses. É, portanto, um mau Orçamento e como somos responsáveis, se achamos que é mau: sem rodeios, sem histórias, sem fintas, sem dramas e sem retratos: votamos contra.

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