quarta-feira, 29 de abril de 2015

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - 25 de Abril




Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia na Sessão Solene do 25 de Abril

Se o 25 de Abril foi, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, «Como casa limpa / como chão varrido / como porta aberta», poderemos nós admitir que se impregnem nódoas, manchas de sujidade sobre a democracia que os capitães de Abril e o povo conquistaram para Portugal?

Permitam-me que precise esta interrogação. Com o 25 de abril as palavras, as ideias, a intervenção ativa na sociedade, até então oprimidas pelo regime fascista, ganharam asas, cor e resultados. Foram, então, reivindicados e conquistados inúmeros direitos sociais e o povo era construtor desse progresso. Agora, vejam bem que, há algumas semanas, o Grupo Parlamentar dos Verdes recebeu uma denúncia, sobre uma questão laboral de um serviço público, de uma pessoa que colocava desesperadamente o seu problema aos eleitos e pedia ação junto do Governo para a sua resolução. Era estranhamente uma denúncia onde a pessoa não se identificava, questão justificada, pela própria, por medo de perder o emprego. Por medo de perder o emprego! Não foi a primeira denúncia anónima a chegar nestes termos ultimamente ao Parlamento. Hoje, que aqui na Assembleia da República comemoramos o 25 de abril, a pergunta que se impõe é: o que é que se passa neste país 41 anos depois do 25 de abril?

Também há relativamente poucos dias os Verdes estiveram, como é habitual, num encontro com população, onde um homem afirmou que, tendo querido, não tinha ousado participar numa ação pública de esclarecimento porque receava que viessem a identificá-lo como uma voz reivindicativa na sua empresa. Pergunta-se: onde é que chegámos 41 anos depois do 25 de abril?

E, não há muito tempo, o PEV esteve em contacto com um grupo de pessoas, onde uma mulher garantia estar absolutamente solidária com greves feitas, que respondem ao ataque à dignidade de pessoas trabalhadoras, mas que ela não exerceu o seu direito à greve porque poderia perder o emprego. Pergunta-se: para onde nos estão a conduzir 41 anos depois do 25 de abril?

Não façamos de conta que estas realidades não existem. A democracia não vive sustentada no medo de intervir. Hoje estão aqui representados todos os órgãos de soberania e um conjunto vasto de entidades com elevadas responsabilidades e é preciso que se diga que a lógica do medo não pode, jamais, retomar lugar neste país. Que é preciso proceder para que o medo do exercício das mais elementares liberdades não ganhe espaço.

E que ninguém duvide que a precariedade do trabalho, a facilitação do despedimento e os altos níveis de desemprego são das maiores causas dos casos que aqui relatei. Combater a precariedade e a lógica do despedimento fácil é, então, clamar pela liberdade das mulheres e dos homens que trabalham. E a liberdade é dos mais altos valores de Abril.

Nestas circunstâncias, permitam que a primeira saudação dos Verdes, nesta sessão do 25 de abril, seja dirigida a todas as mulheres e homens que rompem medos e silenciamentos e se erguem e empreendem a luta pela dignidade de um povo inteiro. São muitas mulheres e homens que trabalham arduamente, são muitos desempregados que querem tanto trabalhar e ajudar o país a produzir, são também muitos reformados que deram e dão tanto ao país, são ainda tantos jovens procurando garantir futuro. São todos os que recusando amarras, usam a expressão livre do descontentamento em relação a políticas degradantes da vida de tantas pessoas e reclamam alternativas de dignidade.

Quebrando a hedionda desigualdade institucionalizada pelo fascismo, o 25 de abril foi também a criação do horizonte da justiça social, onde não havia o direito a que uns nada tivessem para que outros tivessem tudo. Deram-se, nessa altura, passos imensos na promoção da igualdade social, com uma mais justa redistribuição da riqueza e com a criação de serviços públicos onde todos tinham lugar.

Contudo, sejamos honestos: muitas políticas que se vieram a praticar anos mais tarde, e estas que se estão a praticar atualmente, destroem muito do que se conquistou e estão a intensificar desigualdades sociais de uma forma absolutamente desconcertante. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres está claramente a crescer. No momento em que se apregoava uma crise que servia de justificação para cortar tudo e mais alguma coisa, os ricos conseguiram ficar ainda mais ricos enquanto a generalidade da população empobreceu, tendo aumentado significativamente o número de pessoas em efetivo risco de pobreza.

E já foi anunciado que pretendem manter cortes nos rendimentos e aumento de impostos durante mais uma legislatura inteira, contrariando o que antes tinham dito. Mas depois encontram amplas margens para baixar rapidamente o IRC e eliminar a contribuição extraordinária do setor energético para as grandes empresas que têm lucros astronómicos. O que se diz que não há para uns, afinal há, e muito, para outros. A verdade é que quando se deixa de governar para o povo e se governa para elites e para grandes interesses económicos e financeiros, perde-se o horizonte da justiça social.

Evidencia-se aquilo para que o PEV alerta há muito: está-se a servir uma elite minoritária e, para que ela seja confortável e sucessivamente servida, pretende-se habituar o povo a um determinado nível de empobrecimento, a um baixo valor de rendimentos e a ter uma curta ambição de progresso social. Isto é inaceitável e, nestas circunstâncias, é um imperativo afirmar que a justiça social é dos mais importantes valores de abril. E é igualmente peça fulcral num processo de desenvolvimento sustentável.

Aqui chegados impõe-se outra pergunta: é justo que se peçam consensos à volta destas políticas negadoras de uma sociedade justa? É correto pedir acordos para se servirem elites e sacrificar o povo? É tolerável pedir entendimentos para garantir uma subserviência à União Europeia e para idolatrar o tratado orçamental que é um massacre para Portugal? Não, não é justo, nem correto, nem tolerável para o povo português.

O que os Verdes sentem que é devido dizer-se, aqui na Assembleia da República, no dia em que se assinala a revolução dos cravos, são duas questões relevantíssimas, que o 25 de abril nos ensinou para todo o sempre:
1º que não existem inevitabilidades em política, porque existem sempre soluções e políticas alternativas,
2º que um povo não resignado é um povo com força para erguer a mudança.

Mas também é importante que se diga que a alternativa não pode ser fazer igual só que a um ritmo diferente, ou tirar um corte aqui para pôr outro corte acolá. A alternativa passa por ser realista e fazer diferente: assumir que esta dívida é insustentável e impulsionar a sua renegociação; perceber que não estar obcecado pelo défice não significa descontrolar as contas públicas; o investimento produtivo tem um retorno para essas contas públicas muito significativo; a dinamização da atividade produtiva é a forma de gerar riqueza no país e de garantir mercado para as empresas e, portanto, de gerar emprego, combatendo o desemprego já marcado estruturalmente nos dois dígitos; devolver rendimentos aos cidadãos é alavancar a economia; o património natural, traduzido num mar e em espaços de diversidade biológica e paisagística, é um potencial imenso para gerar inúmeros serviços e o desenvolvimento de atividades sustentáveis; acabar com os benefícios fiscais imorais para a alta finança é um imperativo; tal como travar este processo de privatizações - há setores que, de tão estruturantes e garantes de soberania, não devem ficar de fora da esfera pública.

A alternativa para este país é reganhar os valores de abril. Inspirarmo-nos naqueles jovens capitães de abril – a quem, em nome dos Verdes, quero daqui dirigir uma forte saudação – os quais ousaram dizer basta à ditadura fascista. E há alturas na história, quando a sociedade é profundamente machucada, com contornos diferentes é certo, onde também é preciso que o povo diga basta.

A alternativa para Portugal é agarrar os valores de Abril, para com esperança construir uma sociedade com lugar para todos. Nas palavras de Ary dos Santos, «O que é preciso é termos confiança / se fizermos de Maio a nossa lança / isto vai meus amigos isto vai.»

Viva o 25 de Abril!


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