domingo, 15 de fevereiro de 2015

O coelho-bravo, espécie exótica invasora nos Açores

Uma Espécie Exótica Invasora (EEI) é uma espécie introduzida pelo homem numa área geográfica na qual ela nunca existiu e onde, para além de conseguir sobreviver e reproduzir-se, chega a expandir-se e a ameaçar gravemente as espécies ou os habitats nativos. O novo Regulamento Europeu (Reg. n.º 1143/2014) define uma EEI como “uma espécie exótica cuja introdução ou propagação se considera que ameaça ou tem um impacto adverso na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos conexos”.

O impacto das EEI é especialmente grave nos ecossistemas das ilhas oceânicas, onde estas espécies são consideradas como a primeira causa da perda de biodiversidade e portanto a principal ameaça para a sobrevivência da flora e da fauna insulares.

Os Açores não são uma excepção neste sentido e são assim numerosos os exemplos de EEI que ameaçam gravemente as espécies e os ecossistemas nativos açorianos. Entre estas espécies invasoras estão animais como as ratazanas e plantas como a conteira, o gigante, o incenso, o chorão-das-praias, o pica-rato ou a cana.

Mas está também, sem dúvida, o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), uma espécie originária do sul da Europa e que a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) inclui na lista das 100 piores EEI do mundo.

O coelho-bravo foi introduzido nos Açores pelos primeiros povoadores portugueses e está actualmente presente em todas as ilhas dos Açores, à excepção do Corvo. Segundo o livro “Flora e fauna terrestre invasora na Macaronésia” (L. Silva, E. Ojeda Land, J. L. Rodríguez Luengo, 2008), o coelho-bravo constitui uma grave ameaça para os ecossistemas dos Açores pelo facto de se alimentar e exercer uma grande pressão sobre grande parte das plantas nativas e endémicas, algumas delas em perigo de desaparição. Impede também o crescimento das plantas, altera a estrutura dos habitats e da vegetação, e altera a configuração e o regime de erosão dos terrenos.

Mas o coelho-bravo causa também graves prejuízos económicos para o ser humano. Para os agricultores açorianos é uma praga que dizima e destrói grande parte das suas culturas, sendo recorrentes e contínuas as queixas neste sentido que aparecem na comunicação social. Também criam importantes estragos nos projectos existentes de conservação e recuperação dos habitats nativos açorianos, comendo e eliminando grande parte das árvores cultivadas e plantadas pelos serviços florestais.

As únicas pessoas que parecem estar satisfeitas com a presença do coelho-bravo nas ilhas são os caçadores, que assim não têm de deslocar-se até o continente para praticar a caça destes animais. Mas é de todo absurda a ideia de estar a introduzir ou manter no meio natural das nossas ilhas espécies tão invasoras como o coelho-bravo só pelo facto de elas virem a ser utilizadas com propósito cinegético, ignorando por completo os seus terríveis impactos sobre a natureza. O gosto pela caça de algumas pessoas não pode justificar a contínua ameaça e destruição dos ecossistemas nativos dos Açores.

Mais absurda tem sido a atitude do governo regional dos Açores em relação a esta espécie e aos problemas que causa. Tentando satisfazer a gregos e troianos, sem rumo e numa óptica descaradamente eleitoralista, o governo faz política contra os coelhos para satisfazer os interesses dos agricultores e, ao mesmo tempo, faz política a favor dos coelhos para satisfazer os interesses dos caçadores. Actualmente, com a doença hemorrágica que está a provocar uma elevada mortalidade nas populações de coelhos de várias ilhas, o governo mostra-se muito preocupado. Tão preocupado como irá mostrar-se depois quando os coelhos recuperem e voltem a ser uma praga para os agricultores.

Da natureza e da protecção das espécies nativas, daquelas que demoraram milhões de anos a evoluir e adaptar-se às particulares condições das nossas ilhas, destas parece que afinal ninguém se lembra. Talvez alguns governantes pensem que a destruição da natureza não faz mal nenhum. E até acreditamos que já podem ter esboçado um plano para essa altura: quando o arquipélago estiver já completamente desértico vão introduzir talvez camelos para praticar a caça de mais uma espécie exótica.


David M. Santos (Biólogo)

1 comentário:

JJPires disse...

Confesso que pensei variadissimas vezes em manifestar a minha opinião, mas fui sempre desistindo. Porém, hoje não resisti.
Queria deixar claro que não estou contra a análise e cuidados a ter com as espécies invasoras.
Estou sim veementemente contra a forma como o texto está escrito.
Custa-me ver que alguém, culto e influente no meio, esgrime argumentos utilizando uma linguagem própria dos incultos, desprovidos de bom senso.
Lamentavelmente, fiquei desiludido pela utilização deste tipo de posição argumentativa.