quinta-feira, 11 de julho de 2013

Incineração custe o que custar

A associação ambientalista Quercus apresentou uma queixa à Comissão Europeia sobre o projecto de incineradora que a AMISM (Associação de Municípios da Ilha de São Miguel) pretende construir na ilha de S. Miguel (ver aqui). A denúncia deste projecto de incineradora, que se encontra já em fase de concurso público, é devido ao facto de ele não cumprir a legislação comunitária em matéria de avaliação de impacto ambiental.

O actual projecto só prevê reciclar 30,7 % dos materiais recicláveis e 13,4% dos resíduos orgânicos, quando a Declaração de Impacto Ambiental que foi aprovada para a incineradora obriga a que esta recicle 50 % de ambos tipos de resíduos. Logo o projecto da incineradora está ilegal.

Pior, a viabilidade económica do projecto depende afinal da construção duma central hídrica reversível na lagoa das Furnas. Só que o projecto desta central não tem ainda estudo de impacto ambiental, e assim ninguém sabe se a sua construção poderá ou não seguir adiante. O que é certo é que, no caso de ser aprovada a construção desta central, ela afectará gravemente uma lagoa dum enorme interesse turístico para a região e que está declarada como Área de paisagem protegida e integrada no Parque Natural da Ilha de São Miguel.

Assim, nestes tempos de grave crise social vão ser gastos mais de 69 milhões de euros numa incineradora ilegal que atenta contra a saúde pública, que gera resíduos sólidos extremamente perigosos, que contraria no seu funcionamento as metas europeias de reciclagem, que reduz a recuperação de energia dos resíduos, e que afecta gravemente sectores económicos chave como o turismo ou a indústria leiteira, contaminando com dioxinas o leite produzido. E em todo este ruinoso processo de pouco parece ter servido o douto conselho dos presidentes das câmaras de Ponta Delgada, da Ribeira Grande e da Lagoa, que cobram cada um mais de 8.000 euros anuais por assistir às reuniões da AMISM, 800 euros por reunião segundo o Tribunal de Contas. Antes pelo contrário.

A AMISM e o governo regional continuam na sua defesa irracional deste projecto. Segundo um documento divulgado pela AMISM, a incineradora, apesar atirar para a atmosfera compostos cancerígenos como dioxinas, furanos e metais pesados, não deverá ser muito contaminante, pois fumar tem efeitos piores. Devemos concluir assim que se fumar mata, incinerar deve matar menos. E de facto, diversos estudos científicos demonstram que, ainda que menos, a incineração também mata pessoas (ver aqui).

Outros argumentos defendidos nesse documento são que se os outros o fazem nós também devemos fazê-lo, que deve sempre imitar-se os países mais modernos, que não podemos fazer o que é correcto pois seria muito caro, que a incineração é contaminante mas menos do que antigamente, que há coisas que queimadas são mais contaminantes que a queima de lixo, ou que com o possível e alternativo aproveitamento do resíduo orgânico existiria o perigo de comer alfaces contaminadas.


Mas a AMISM chega mesmo a desrespeitar quem critica o projecto. Segundo declarações dum dos seus representantes, a Quercus é uma organização ambientalista que não defende o ambiente (Telejornal Açores, 15/06/2012). E agora, de forma lamentável, a AMISM volta a criticar novamente a Quercus dizendo que “já muitas vezes vimos forasteiros bem-falantes que, com uma linguagem elegante, nos enganam e nos deixam em má situação” (Diário dos Açores, 13/06/2013).

Não deixando de lamentar todas as vezes que as pessoas da AMISM, coitadas, foram enganadas por esses malandros forasteiros, torna-se difícil aceitar o recurso a este tipo de declarações, completamente extemporâneas, para responder à crítica muito bem fundamentada realizada pela Quercus. Aliás, nos Açores são cada vez mais os açorianos, não forasteiros nem pessoas vindas de fora, que não se deixam enganar pela AMISM, pelo governo regional ou por estes projectos megalómanos e ruinosos para a região.

As alternativas existem (ver aqui) e o cumprimento da legalidade exige que essas alternativas, afinal muito mais baratas, saudáveis e ecológicas, sejam aplicadas.



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