Encontra-se actualmente em discussão na Assembleia Regional um novo decreto que tem por finalidade a protecção da natureza e da biodiversidade açoriana. No entanto, na sua actual redacção, este “Regime jurídico da conservação da natureza e da protecção da biodiversidade” apresenta uma série de incoerências graves que vão permitir, na prática, a introdução de novas espécies exóticas invasoras na região, isto é, exactamente o oposto daquilo que é pretendido.
Para começar, surpreende que este decreto considere como espécies protegidas algumas espécies exóticas já presentes na região. É o caso do tritão (Triturus cristatus) ou da lagartixa (Lacerta dugesii), mas também dalgumas aves como a perdiz-vermelha (Alectorix rufa), a perdiz-cinzenta (Perdix perdix) ou o pardal (Passer domesticus), todos eles introduzidos nos Açores. Será que faz algum sentido proteger legalmente espécies exóticas, algumas delas invasoras, presentes actualmente na região?
Mas pior é a incoerência das medidas que este decreto formula para evitar a introdução na região de novas espécies exóticas invasoras.
Com este propósito, o decreto estabelece uma “Lista das espécies da fauna e flora invasora com risco ecológico conhecido”. Mas esta lista é surpreendentemente escassa. Por exemplo, esta lista considera não haver nenhuma espécie de ave que tenha associado um potencial de risco conhecido. Ora, acontece que por exemplo, a nível nacional, o Decreto-Lei n.º 565/99 refere como espécies exóticas invasoras nada menos que 22 espécies de aves! E é sabido que num meio insular como o dos Açores os riscos associados às espécies invasoras são notoriamente maiores.
Uma dessas 22 espécies, o bico-de-lacre (Estrilda astrild), está referenciada como espécie invasora numa grande quantidade de países do mundo. Também deveria ser considerada, portanto, como uma ameaça ecológica para a nossa região. Deveria ser senão fosse por que já é, de facto, um problema real: a espécie já foi introduzida no nosso arquipélago e tem invadido as ilhas de São Miguel e Terceira, existindo o risco de também colonizar as outras ilhas.
Faz sentido, portanto, haver neste decreto uma lista sobre potenciais ameaças que não inclui as ameaças mais conhecidas, referenciadas desde há muitos anos, e que nem sequer é capaz de incluir as ameaças já registadas e existentes na própria região?
Mas, piorando o absurdo, o decreto estabelece expressamente uma excepção no referente à introdução de aves: permite expressamente a introdução na região de todas as aves pertencentes a dois grupos zoológicos, os Passeriformes (pássaros) e os Psittaciformes (papagaios). Ora, acontece que são precisamente estes dois grupos de aves, e não outros, aqueles que a nível mundial possuem o maior número de espécies invasoras.
Por exemplo, das 22 espécies invasoras referenciadas no citado Decreto-Lei, 19 delas pertencem precisamente a estes dois grupos! E doutras doze espécies de aves referenciadas também como invasoras pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), todas as doze pertencem igualmente a estes dois grupos!
Pior ainda, das aves exóticas actualmente introduzidas e que se reproduzem na nossa região: o pardal, o verdilhão, o pintassilgo, o bico-de-lacre e o periquito-rabijunco, todas elas pertencem também a estes dois grupos.
Faz algum sentido proibir a introdução de espécies exóticas invasoras mas ao mesmo tempo abrir uma excepção para praticamente todas elas, mesmo as comprovadamente piores? É este, portanto, um decreto que pretende a protecção da biodiversidade?
1 comentário:
D.M. Santos, desejo a ti, teus familiares e todos os visitantes do teu blog um Feliz Natal. Aproveito para informar que dia 02 de janeiro estreia Urbanascidades 2012, igual mas...diferente.
Paulo Bettanin.
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