sábado, 7 de março de 2015

A truta-arco-íris, espécie exótica invasora nos Açores

Uma Espécie Exótica Invasora (EEI) é uma espécie introduzida pelo homem numa área geográfica na qual ela nunca existiu e onde, para além de conseguir sobreviver e reproduzir-se, chega a expandir-se e a ameaçar gravemente as espécies ou os habitats nativos. O novo Regulamento Europeu (Reg. n.º 1143/2014) define uma EEI como “uma espécie exótica cuja introdução ou propagação se considera que ameaça ou tem um impacto adverso na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos conexos”.

O impacto das EEI é especialmente grave nos ecossistemas das ilhas oceânicas, onde estas espécies são consideradas como a primeira causa da perda de biodiversidade e portanto a principal ameaça para a sobrevivência da flora e da fauna insulares.

Os Açores não são uma excepção neste sentido e são assim numerosos os exemplos de EEI que ameaçam gravemente as espécies e os ecossistemas nativos açorianos. Entre estas espécies invasoras estão animais como o coelho, o gato ou a ratazana e plantas como a conteira, o gigante, o incenso, o chorão-das-praias, o pica-rato ou a cana.

Mas uma das espécies invasoras com efeitos mais nefastos a nível mundial é a truta-arco-íris (Oncorhynchus mykiss), incluída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) na lista das 100 piores EEI do mundo.

Originária da América do Norte, a truta-arco-íris tem sido amplamente introduzida ao longo das últimas décadas nas ribeiras e nas lagoas de muitos países, geralmente para permitir a pesca desportiva nos locais onde as populações selvagens já não eram capazes de suportar este tipo de pesca. Mas só recentemente é que começou a olhar-se, finalmente, para os possíveis efeitos da sua introdução e foi então que ficou demonstrado que esta espécie, através da predação ou da competição, apresenta efeitos muito negativos sobre as espécies de peixes, de anfíbios e de invertebrados nativos, para além de poder transmitir também algumas doenças, como a chamada doença do corropio. Assim, neste momento, a sua introdução está a ser finalmente proibida em todos os países do mundo.

Nos Açores, corresponderia ao Governo Regional fazer tudo o possível para evitar a introdução da truta-arco-íris nas ribeiras e lagoas da nossa região. Mas, de forma surpreendente, nos Açores é o próprio governo quem introduz massivamente esta espécie todos os anos nas águas doces da região. A Direcção Regional dos Recursos Florestais cria esta espécie no Viveiro das Furnas, na ilha de São Miguel, e na Reserva Florestal Luís Paulo Camacho, na ilha das Flores. E cada ano são assim produzidas cerca de 15-20 mil trutas em São Miguel e cerca de 10-12 mil trutas nas Flores, sendo depois estes exemplares utilizados para “repovoar” as ribeiras e lagoas destas duas ilhas. Ainda segundo o Portal da Biodiversidade (www.azoresbioportal.angra.uac.pt) a espécie foi introduzida também na ilha do Pico.

Não são conhecidos os efeitos que a introdução desta espécie invasora pode ter nos ecossistemas fluviais da região, onde poderá afectar o único peixe nativo dos Açores de água doce, a enguia (Angilla angilla), e à fauna invertebrada nativa. O estudo do seu impacto resulta ainda mais complicado pelo facto das ribeiras e lagoas da região estarem já muito alteradas. Parece que nos Açores, felizmente, a sobrevivência dos exemplares introduzidos é baixa, o que, associado à pressão da pesca, faz que aparentemente não cheguem a estabelecer-se populações desta espécie. Mas isso não quer dizer que a sua presença, assegurada pelo menos durante uma parte do ano, não possa provocar igualmente importantes impactos nos ecossistemas fluviais.

Assim, o mesmo Governo Regional que deveria lutar contra a introdução das EEI na região, gasta dinheiro público cada ano, de forma absurda, para introduzir esta espécie de forma massiva. E tudo para beneficio duma minoria de pessoas que considera que as ribeiras e lagoas açorianas devem ter os mesmos peixes do continente, ou de outro lugar qualquer, para assim poderem praticar o seu modelo de pesca desportiva.

Mas não são unicamente os ecossistemas aquáticos os que sofrem esta agressão institucional, pois o governo regional também gasta dinheiro público para criar e introduzir outras espécies exóticas, como a perdiz-vermelha (Alectoris rufa) ou a perdiz-cinzenta (Perdix perdix). E ainda chega ao extremo de criar “reservas integrais de caça” em diferentes ilhas, verdadeiras “Reservas de Anti-Natureza”, para elas se poderem reproduzir.

A ideia do governo, contrariando todas as leis e tratados internacionais, parece ser converter as ilhas e os seus ecossistemas naturais numa espécie de “piscicultura” para peixes invasores como a truta-arco-íris e numa “reserva de caça” para animais exóticos como as perdizes ou os coelhos. Assim, a natureza ficaria reduzida a um produto comercial ou desportivo destinado a satisfazer os interesses duma minoria de pessoas partidária da caça e da pesca de animais exóticos nos Açores.

Infelizmente, nos Açores a conservação da natureza e da biodiversidade parece ficar sempre no último lugar nas prioridades do governo. E a natureza das nossas ilhas, sem dúvida, merece muito melhor.


David M. Santos (Biólogo)


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