quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A atmosfera, a nova lixeira a céu aberto

Entre as principais vantagens que são apontadas para a construção de duas incineradoras de lixo em São Miguel e na Terceira, destinadas a queimar os resíduos domésticos de toda a região, estão a consequente desaparição do lixo e dos aterros sanitários e a produção de energia. Mas estes argumentos, devidamente analisados, parecem constituir um grosseiro atentado contra todas as leis da física, pois nem a matéria desaparece nem a energia se cria. Elas unicamente se transformam.

Quando se diz que com a incineração o lixo desaparece, isto evidentemente não tem nada a ver com a realidade. Esta parece ser uma frase tirada dum espectáculo de magia, onde os coelhos aparecem e desaparecem da cartola. No mundo real, quando o lixo doméstico é queimado não desaparece, ele transforma-se. E transforma-se principalmente em gases e cinzas. Contudo, se no final do processo de incineração pesamos esses gases e essas cinzas teremos sempre o mesmo peso, a mesma quantidade de matéria, que tínhamos no lixo na sua forma inicial. Nada desapareceu.

No momento actual o lixo indiferenciado da região é depositado em aterros sanitários, onde os materiais em teoria ficam devidamente imobilizados. No caso de se queimar esse lixo, passaremos simplesmente a depositá-lo numa lixeira a céu aberto a que chamamos atmosfera. E sem receber tratamento, sem ser imobilizados, os componentes do lixo ficarão na atmosfera ou acabarão por cair à terra.

Isso em relação aos gases, pois as cinzas, contendo compostos químicos muito perigosos e metais pesados, deverão ser depositadas em aterros especiais muito mais caros e difíceis de manter que os actuais. Mas não são só as cinzas a ter compostos perigosos, também uma parte dos gases emitidos para a atmosfera vão ter produtos tóxicos, como dioxinas e furanos, que passarão a ameaçar toda a população com doenças tão graves como o cancro ou doenças do sistema imunitário (ver aqui).

Em relação à energia, deve considerar-se que o que é queimado nas incineradoras não é só lixo. O lixo representa entre metade e dois terços do total da matéria queimada. A restante matéria é biomassa florestal e fuelóleo, que actuam como combustível num primeiro momento. A queima questionável destes combustíveis e a queima final do lixo acabam efectivamente por produzir energia.

Mas existe, sem dúvida nenhuma, um processo muito mais eficiente para obter energia a partir do lixo: a reciclagem. Quando os resíduos existentes no lixo são reciclados consegue-se obter entre três e cinco vezes mais energia do que com a sua combustão. Isto é porque a própria reciclagem evita a extracção e produção de novos materiais. Evitando a produção, por exemplo, de mais plásticos e cartões, poupa-se muita energia, muita mais energia daquela que resulta da sua queima numa incineradora. E ainda se consegue poupar na emissão de gases de efeito estufa, produzindo-se até 25 vezes menos gases de efeito estufa do que com a incineração.

Assim, podem dizer-nos repetidas vezes que as incineradoras eliminam o lixo e produzem energia. Mas isso não corresponde à verdade. A verdade é que ao queimar o lixo estamos desperdiçando energia e estamos atirando esse lixo para o ar que respiramos, para a lixeira a céu aberto em que aparentemente estamos a transformar a atmosfera.




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