Uma Espécie Exótica Invasora (EEI) é uma espécie introduzida pelo homem numa área geográfica na qual ela nunca existiu e onde, para além de conseguir sobreviver e reproduzir-se, chega a expandir-se e a ameaçar gravemente as espécies ou os habitats nativos. O novo Regulamento Europeu (Reg. n.º 1143/2014) define uma EEI como “uma espécie exótica cuja introdução ou propagação se considera que ameaça ou tem um impacto adverso na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos conexos”.
O impacto das EEI é especialmente grave nos ecossistemas das ilhas oceânicas, onde estas espécies são consideradas como a primeira causa da perda de biodiversidade e portanto a principal ameaça para a sobrevivência da flora e da fauna insulares.
Os Açores não são uma excepção neste sentido e são assim numerosos os exemplos de EEI que ameaçam gravemente as espécies e os ecossistemas nativos açorianos. Entre estas espécies invasoras estão animais como o coelho ou a ratazana e plantas como a conteira, o gigante, o incenso, o chorão-das-praias, o pica-rato ou a cana.
Mas uma das espécies invasoras com efeitos mais nefastos a nível mundial é o gato doméstico (Felis silvestris catus), incluído pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) na lista das 100 piores EEI do mundo. Nas ilhas oceânicas, os gatos domésticos já causaram a extinção de pelo menos 33 espécies de aves, mamíferos e répteis (14 % das extinções em ilhas). E actualmente são também a principal ameaça para 8 % dos animais em perigo crítico de extinção. No total, os gatos ameaçam 123 espécies de aves, 27 de mamíferos e 25 de répteis presentes nas mais de 120 ilhas onde eles foram introduzidos (Medina et al., Global Change Biology 2011).
Os gatos domésticos são formas criadas pelo homem a partir do gato africano (Felis silvestris libyca), uma espécie nativa do Egipto. Ao referir-nos aos gatos domésticos como uma EEI estamos logicamente a falar daqueles indivíduos, ou populações de gatos, que caçam o seu próprio alimento no meio natural do continente ou da ilha onde foram introduzidos pelo homem. Mas aqui deparamo-nos com toda uma variedade de casos, pois os gatos, devido ao seu carácter independente, podem mostrar um nível muito variável de dependência do homem para alimentar-se: há gatos que nunca abandonam, ou muito raramente, as casas para caçar, há gatos que abandonam as casas e caçam com maior ou menor regularidade no meio natural, e há finalmente gatos assilvestrados que são completamente independentes do homem e obtêm todo o seu alimento caçando no meio natural. São logicamente estes últimos casos os que fazem dos gatos domésticos uma EEI.
Segundo o livro “Flora e fauna terrestre invasora na Macaronésia” (L. Silva, E. Ojeda Land, J. L. Rodríguez Luengo, 2008), o gato doméstico está presente em todas as ilhas dos Açores, ainda que não parece ter actualmente quaisquer populações assilvestradas. O seu impacto nos Açores é devido portanto aos numerosos gatos mantidos pelo homem em estado de semi-dependência e que caçam com regularidade no meio natural, especialmente quando se encontram em áreas rurais e com maior contacto com a fauna nativa que constitui as suas presas.
Na ilha de Corvo, estes gatos são responsáveis por 84 % dos casos de predação nos ninhos de cagarro (Calonectris diomedea borealis). Aliás, é possível que a predação exercida pelos gatos domésticos, junto com os ratos, seja a causa principal da desaparição da maioria das colónias de aves marinhas que existiam nas diferentes ilhas dos Açores.
Existe ainda a hipótese dos gatos já terem contribuído para a extinção recente, há poucos séculos, de um mocho endémico dos Açores (Otus frutuosoi) do qual foram descobertos agora restos na ilha de São Miguel. A mesma sorte poderá ter tido outro mocho descoberto na Madeira (Otus mauli) e pensa-se que, nas ilhas Canárias, os gatos terão contribuído efectivamente para a também recente extinção da pardela-do-malpaís (Puffinus olsoni). Ainda na Madeira, uma ave marinha em grave perigo de extinção, a freira-da-Madeira (Pterodroma madeira), tem hoje como principal ameaça a predação por parte de gatos e ratos, o que tem motivado esforços para a captura dos gatos presentes perto das colónias reprodutoras destas aves.
Não há dúvidas de que, tanto pela sua ampla difusão e introdução por todo o mundo como pelo seu carácter carnívoro, os gatos domésticos são uma das EEI mais perigosas e com piores efeitos sobre as faunas nativas.
Muitas pessoas gostam de ter gatos nas suas casas, sem se preocupar por limitar a saída destes animais ao exterior, ou sem serem conscientes de todas as aves nativas, ou outros animais, que eles podem matar nessas suas saídas. Outras pessoas gostam de alimentar gatos abandonados na rua ou mesmo no campo, em lugares nos quais os gatos ficam em contacto muito próximo com as aves nativas que serão as suas vítimas, mortas por vezes em números que superam as centenas. Estas pessoas aparentemente gostam muito dos gatos. Mas estas mesmas pessoas também, aparentemente, estão a comportar-se como se odiassem todas as aves e os animais que os seus gatos matam, para além de mostrarem muito pouco respeito pela natureza ou pela sua conservação.
David M. Santos (Biólogo)
3 comentários:
E soluções não aponta nem 1??
As soluções são evidentes e muito claras: limitar a saída dos gatos ao exterior, não alimentar gatos em lugares nos quais ficam em contacto com as aves nativas, etc, etc.
Sou bióloga, madeirense, gosto de todos os animais e preocupa-me sim, os impactes negativos que os gatos assilvestrados podem ter nas espécies nativas.
Sou também voluntária numa associação de bem-estar animal, em que a minha colaboração consta essencialmente da sinalização e registo de gatos errantes ou de colónias, capturá-los para esterilização e posterior devolução ao local onde se encontravam.
Também alimento, desde há alguns anos, uma colónia de gatos que se encontrava com uma reprodução descontrolada numa zona florestal, junto a um espaço de piqueniques. E por isso, acho que posso ter uma palavra no que toca a uma sugestão sensata e humana para estas situações. A minha já longa experiência (assim como a de pessoas que conheço e que fazem o mesmo tipo de voluntariado) ensinou-me que os gatos bem alimentados não caçam. Isto é, o perseguir e "brincar" com a presa é instintivo e qualquer gato o faz, mas os gatos esfomeados (situação que o seu texto parece defender) fazem emboscadas e caçam exaustivamente, por uma questão de sobrevivência. Os gatos alimentados não se esforçam, nem despendem energia inutilmente. Se um pássaro cair do ninho perto deles, obviamente que irão "brincar" com ele e acabam matando-o, normalmente sem o comer. Concretamente no caso que conheço melhor, quando comecei a alimentar os gatos, a colónia tinha cerca de 20 animais, entre machos, fêmeas e jovens. Foram castrados/esterilizados e devolvidos ao local. Entretanto alguns foram desaparecendo (atropelados ou mortos por cães) e novos gatos surgiram devido a abandonos no local. Sempre que surge um novo gato, é capturado e esterilizado. Foram construídas estruturas abrigadas onde a ração é colocada semanalmente. Neste momento há apenas 5 gatos na colónia. Mas desde que comecei a alimentá-los, NUNCA encontrei vestígios, como penas ou restos de cadáveres, de predação de aves e existem muitas aves no local, em especial tentilhões. Daí que acho que deixar os gatos à fome só pode agravar a situação. Quanto ao resto, concordo em pleno. As pessoas devem ser responsáveis pelos seus animais e não os deixarem andar livremente, até pela própria segurança deles. E esterilizar é a palavra de ordem.
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